terça-feira, 24 de junho de 2008

Gelocortante sonho

Acordou assustado às quatro horas da madrugada. A noite estava escuramente negra. Havia sonhado com árvores, cores e túmulos. Não entendia. Não compreendia todas aquelas imagens que insistiam em voltar a sua mente. Elas falavam com ele e suas folhas dançavam com os barulhos da noite. Havia flores também e elas pediam, imploravam pra que acordasse. Mas não acordou naquele momento. Naquele momento precisava ir até o fim. Todas as cores do mundo tinha cheiro de açúcar e mel. Flores e cores espalhadas pelos milhares e milhares de túmulos do seu sonho. Estava perdido no meio deles. Elas caiam de um céu impossível de imaginar. Caiam de alturas invisíveis. Caiam. Sobre sua cabeça dormindo. Coroa de cores que o faziam rei. Império decrépito de imagens inúteis. Paredes e tetos de sonhos impossíveis. Mas não acordou. Começou gritar e gritou o mais alto que pode. Ninguém o escutou. Não havia nada ali. Abriu um a um todos os túmulos e quando terminou estava cansado. O tempo do sonho passou. Passou e pesou sobre suas costas. Eras e eras de esforços em vão. Descobriu que estava mesmo sozinho. E sozinho ficou olhando pras suas flores. Cores e túmulos. Desistiu de olhar para trás e seguiu. Tristemente desamparado das idéias que tinha. Queria ter encontrado alguém. As lápides estavam vazias e sem alma. Seus donos haviam apagado todos os vestígios. Sussurros há muito esquecidos. Ele não quis mais escutar. Deixou tudo como estava e apenas sonhou. Não viu e não mais ouviu o que tinha pra dizer. Afastou-se dali, daquilo que o tinha afastado da vida por tempos sem medida. Ousou, uma última vez, olhar pra trás. Estava acordado sonhando. Uma bela mulher o olhava. Linda como as flores que insistemente caiam. Seus cabelos eram negros como aquela escura noite. Mas emitia um som luminoso o balançar daqueles cabelos. E sorriu. Riu pra ele. E pode sentir de sua boca o cheiro mesmo das flores. Falava sem dizer, pensava em sua mente. Entendeu então aquele estranho sonho. Era real e o sonho era a madrugada em sua cama e o frio gelocortante da solidão.


SILVA, Edmilson R. Textos Sobre Assuntos Aleatórios, Mas Sem Importância Alguma. Edição Única. Kaloré: Liberdade, 2008.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Cativo de mim

Saio despretensiosamente, com toda a vontade que tenho de sair da rotina que aprisiona-me numa gaiola com grades que falam o tempo todo aos meus ouvidos que eu não tenho mais o que fazer a não ser esperar uma longa e extraordinária espera. Já ao portão escuto-o dizendo baixinho consigo mesmo: lá vai ele outra vez, buscar algo que nem ele mesmo sabe o que é. Escuto e percebo na fala mansa daquele portão, que é testemunho semivivo da minha vida, da vida que luto por abreviar. Não reajo, pois nas considerações que faço, compreendo aquele velho portão e vejo-o como mais uma barreira que me prende e ao mesmo tempo percebo que o que ele diz é realmente o que ele vê. Saio assim mesmo, pois não tenho medo do que verei, ouvirei e testemunharei lá fora. Calçada, meio-fio, asfalto, pedra, árvores e carros. Passo passeando por entre eles e sobre eles. Nem as pedras que piso deixam de me olhar com olhos de reprovação, que insistem e negar minhas vontades. Dizem, elas, todas ao mesmo tempo, que eu não posso esperar mais, tem que ser hoje e agora. Tenho que mudar meus objetivos, pra que eu possa sustentar meus ideais, que por sua vez já não se sustentam em nenhum apoio concreto. Nos muros em que as palavras fazem seu papel, vejo apenas aquilo que elas dizem pra ele. E as palavras são pra mim. Quero deixar de escutar. Não quero mais ouvir. Apenas fugir disso tudo que me persegue e insiste em me lembrar que eu não tenho nada a perder e por isso não há motivos para temer. Temor do nada que me aguarda. Medos que não satisfazem minha consciência, mas que não me deixam tomar uma decisão final que contemple minhas paixões. Todas as perguntas que faço a mim mesmo não podem ser respondidas se não eu não tiver coragem de tomar minhas próprias decisões independente dos fantasmas que me assombram. Todas as viagens que faço, faço por que sonho, mas só em sonhos posso. Toda a luta minha se dá num campo de batalha onde ninguém pode alcançar e às vezes nem mesmo eu consigo localizar exatamente onde é. As confusões que se travam inequivocadamente são os motivos de todas as minhas buscas. Os medos que sinto de fugir e de deixar tudo pra traz, são os problemas que me perturbam consciente e inconscientemente. Mas eu não desisto de lutar. Resistir ao chamado que é feito diariamente é extremamente difícil, mas vou seguindo, até agora, conseguindo. Não sei até quando, nunca sei até sempre, posso afirmar que vou permanecer inerte diante de todas as situações que me afrontam, jogando em minha cara meus problemas e as soluções pra eles. Eu, por minha vez, não consigo vê-los. Tudo a minha volta diz que eu preciso partir, sair, optar, mas eu insisto em sentir medo daquilo que não posso dominar, mesmo não havendo menor importância se é preciso. Vou ficando por aqui, assim mesmo, porque tenho medo realmente. Acabo então recuando, volto ao portão e entro novamente. Não importa se os acontecimentos subsequentes irão influenciar terrivelmente na pessoa em que me tornarei. Doce ou amargo. Não estarei aqui pra ver todo o arrependimento de não ter tido coragem de agir na hora certa. Pegar meus sonhos com as mãos e transformá-los em pássaros cativos é o que tenho que fazer. Faço. Simplesmente apenas porque é dessa maneira que podemos criar todas raízes que podem nos sustentar e também, ao final de tudo, nos destruir.

SILVA, Edmilson R. Textos Sobre Assuntos Aleatórios, Mas Sem Importância Alguma. Edição Única. Kaloré: Liberdade, 2008.