SILVA, Edmilson R. Textos Sobre Assuntos Aleatórios, Mas Sem Importância Alguma. Edição Única. Kaloré: Liberdade, 2008.
Tanta gente diz tanta coisa. Tanta coisa por dizer. Tantos ditos malditos. Tantas falas à metade. Tantos juízos em poucas palavras. Tantas mentiras a serem ocultadas. Tanto dinheiro a ser poupado, escondido. Tantas mortes a serem evitadas. Tantas crianças a sorrir. Tanta fome a matar. Tantas mulheres a serem amadas, compreendidas e respeitadas. Tantos preconceitos a serem derrubados. Tantos deuses adorados. Tanta gente libertada. Tanto quanto me espanto com a vida.
sexta-feira, 21 de novembro de 2008
COISAS
sexta-feira, 5 de setembro de 2008
Amanhã tudo pode ser
Amanhã a manhã será bela.
Voltaremos mais amigos assim.
terça-feira, 22 de julho de 2008
Despedida
Choro, lama, escuro nada
Fogo, lenço, chuva, sorte
Cama, porta, piso, morte
Passo, carro, vela, folha
Mala, meia, mesma escolha
Viagem, retorno, mesmo lugar
Escada, degrau, trôpego andar
Vale, nuvens, ladeira, lança
Desce, sobe, para, avança
Sussego, espera, grito cedo
Sussurro, dor, credo, medo
Casa, fim, tijolo, caixão
Linha, pó, faca e algodão
Canto, manto, pranto, santo
Reza, presa, preza, pesa
Mania, agonia, quando se for
Tristeza, desespero, quando fechar
Alivio, descanso, assim que chegar
Saudade, amizade, de quem ficou
sexta-feira, 4 de julho de 2008
O fim! Quando?
Será tarde demais.
Será o fim.
terça-feira, 24 de junho de 2008
Gelocortante sonho
SILVA, Edmilson R. Textos Sobre Assuntos Aleatórios, Mas Sem Importância Alguma. Edição Única. Kaloré: Liberdade, 2008.
terça-feira, 3 de junho de 2008
Cativo de mim
SILVA, Edmilson R. Textos Sobre Assuntos Aleatórios, Mas Sem Importância Alguma. Edição Única. Kaloré: Liberdade, 2008.
segunda-feira, 19 de maio de 2008
Rês
SILVA, Edmilson R. Textos Sobre Assuntos Aleatórios, Mas Sem Importância Alguma. Edição Única. Kaloré: Liberdade, 2008.
terça-feira, 13 de maio de 2008
Sis t'ema
Blá, blá, blá caminhandante
Ele não tinha jeito não de que iria parar mais não. Andava andava parava nunca não. A estradona olhava ele lá longe o fim não tinha. Era muito larga também e ele podia bem aqui andar ou ali e de um lado pro outro sempre atravessava. Mudava muito de idéia e ideiando sempre trocava de lado. Do lado de cá da estradona comprida tinha poca sombra, poca árvore, mas muito tinha comida, poso e sede nem passava. Do lado de lá tudo do contrário era bastante. Tinha poso muito também, mas era debaixo das grandes grandalhonas árvores que lá tinham. Comida poca e do lado de lá a caminhada era difícil muito mais. Vivia então ele atravessando a estradona buscando o que tinha do outro lado. Assim, dessa maneira fazendo poco andava, parava quase. A travessia muito perigosa ficava a cada passo em frente que dava. Havia perigos muito perigosos que podiam por fim à jornada sua. Mas ele perseverava bastante. Prosseguir preciso fosse qualquer sacrifício e ele fazia isso, mesmo tendo que arriscar a vida dele...
segunda-feira, 12 de maio de 2008
Blá, blá, blá artístico
A arte é para o homem o que o homem talvez seja para deus. Mas somente talvez. A arte como expressão da criatividade talvez não conserve em si tal significado. A arte como beleza. A arte como diverso. A arte como aquilo que pode despertar nos homens sentimentos com infinitas possibilidades. O homem cria, artes e manhas. O homem é a arte que cria não como propósito primeiro de mostrar pra quem quer que seja aquilo que criou, mas sim pra interpretar a si mesmo, com objetivo de entender quais são os propósitos de tudo e todos que o rodeia. O homem cria... recria, copia e transforma, etc. Recria o que foi transformado em algo que já não tinha sentido de ser nomeado como arte. As cópias também são arte. Talvez tudo seja cópia de alguma coisa. De onde os grandes artistas tiraram suas obras primas senão dos originais guardados em suas mentes, mesmo que em frações de segundos de inspiração, naqueles momentos que, talvez por loucura ou por extrema exatidão de sentidos tiveram a lucidez de contribuírem com a humanidade com seus legados, sejam eles escritos, musicados, inventados, pintados? Mas sempre cópias do que já existia dentro de si mesmos...
Blá, blá, blá musical
Canções pairando no ar, trazendo consigo uma sensação de liberdade de sentidos experimentada gradativamente diante das notas. As notas que temos e damos ao que escutamos simplesmente poderiam provocar uma explosão de sinônimos insignificantes. O amor falado nas canções pode ser verdadeiro, mas os sentidos podem nos enganar. As tristezas encontradas em grandes quantidades nas belas e melancólicas melodias podem entregar, a quem as ouve, tudo aquilo que elas menos desejam. Porque ouvimos involuntariamente qualquer coisa que possa nos interessar ou que definitivamente satisfaça nossa curiosidade inconsciente. Os sons encontrados no cotidiano são barulhos ensudercedores quando gostaríamos de viver no silencio. O silencio do escuro. Mas o silêncio, além do escuro, não existe. A vida é feita de sons, música, barulho. Notas musicais que se transformam em melodiosas canções juntamente com todos os outros tipos de ruídos, uns fabricados por nós mesmos, outros naturalmente criados, contribuem para que a loucura do silêncio possa tornar-se utópica. Loucura capaz de elucidar mistérios escondidos nos mais profundos silêncios das mais intrigantes personalidades humanas...
SILVA, Edmilson R. Textos Sobre Assuntos Aleatórios, Mas Sem Importância Alguma. Edição Única. Kaloré: Liberdade, 2008.
Blá, blá, blá reflexivo
O desespero sentido pelas pessoas quando refletem a respeito da vida é compreensível, principalmente porque, geralmente, as pessoas que fazem esse tipo de reflexão, são pessoas que já conseguiram compreender minimamente alguns signos mostrados propositadamente. É percebido a superficialidade de alguns conceitos que temos como os mais absolutos, e que jamais se modificarão ou que nunca haverão de transmutar-se em alguma outra verdade que não satisfaça nossos próprios egos. Se pensarmos profundamente no nosso trabalho, naquilo que fazemos todos os dias, se analisarmos cada um e todos os aspectos que compõem nossos intermináveis dias, chegaremos a conclusão, talvez, que é
domingo, 11 de maio de 2008
Super Homem
terça-feira, 29 de abril de 2008
Pensando em que?
De repente alguma coisa mudou. Continuava de cabeça baixa, mas o nevoeiro imaginário, que provavelmente é fruto de minha própria imaginação, se dissipou. Vi caminhando lentamente em sua direção um pequeno pássaro. Não sei qual era. Mas isso também não importa agora. O pássaro parecia estudar cada passo que dava, buscando não assustar aquele pobre rapaz. Bicava aqui e ali. Dava pequenas corridas de um lado para o outro. O rapaz nem percebia. O pássaro percebeu que não corria perigo e avançou. Voou e pousou no assento do bando. Nem assim conseguiu chamar a atenção. Bicou sua mão, mas não foi capaz de tirar aquele rapaz do transe onde se encontrava.
Vi uma luz intensa. Branca. Quase me cegando. Tinha sido um sonho. Olhei ao meu redor e percebi que continuava no mesmo lugar. Naquele lugar horrível. Um quarto todo branco. Com cortinas brancas. Móveis e roupas de cama, tudo branco. Senti um desespero. Lembrava-me do sonho. Parecia sentir a densidade daquela sombra. Abria a janela e fiquei por algum tempo tentando me localizar diante daquilo tudo que estava acontecendo. As pessoas lá embaixo também estava todas vestidas de branco. Todas meio atrapalhadas, andando de um lado para o outro. Havia muitas e enormes árvores. Estavam floridas e suas flores contrastavam com o clima de tristeza que se abatia sobre aquelas pessoas. Fiquei olhando por algum tempo aquela paisagem e no entanto foi como se estivesse num outro mundo e enxergasse aquelas pessoas como anormais. Elas eram anormais. Deu vontade de ir até onde eles estavam. Falar-lhes do meu sonho. Perguntar porque tanta tristeza diante daquele espetáculo que a natureza proporcionava?
Desci até aquele imenso jardim e por incrível que pareça não havia escadas no prédio onde eu estava, mas de alguma maneira tive que desce por algum lugar. Olhei pra cima e tentei localizar a janela onde eu estava há poucos instantes e não consegui encontrar. Não havia janelas. Não havia prédio. Olhei ao meu redor e aquilo foi muito estranho, pois estava bem no meio de uma enorme multidão. Todos de branco. A mesma paisagem que lá de cima, do quarto, parecia alegre e festiva, agora se revelava desoladora e, pra ser sincero, fazia uma grande confusão em minha cabeça, meus sentimentos já não estavam claros. Tentei identificar alguma pessoa conhecida no meio daquele turbilhão de rostos. Em vão. Aquelas pessoas não estavam ali. Elas olhavam pra mim, mas era como se enxergassem através do meu corpo. Me senti nu. Despiam-me com seus olhares invasivos, pareciam estar descobrindo todos os meus segredos. Coisas que eu tinha medo de trazer à toda e agora espontaneamente eu revelava àquelas pessoas. Falava sem me pronunciar. E eles ficavam satisfeitos em conhecer todas as minhas verdades.
Comecei a chorar. Quis desaparecer daquele lugar. A sensação que eu tinha era que eles iriam entram em minha cabeça. Comecei a correr desordenadamente. Descontroladamente em qualquer direção. Não importava. Queria me livrar daqueles olhares indiscretos. Tudo muito rápido e instantâneo. Novamente uma luz branca me cegava os olhos. Sentia os meus sentidos à flor da pele. A mais suave brisa parecia uma tempestade. O calor era insuportável e ao mesmo tempo sentia frio. Uma tremenda confusão, que fez com que minha cabeça parecesse enorme. Achei que fosse explodir. Aquela luz diante dos meus olhos. Somente luz. Não havia mais nada. Nem quarto. Nem cama. Nem gente. Nem eu mesmo me encontrava naquele lugar e o mais estranho é que eu também não me sentia.
Aí está você. Deve ter sofrido bastante. Seu rosto tem uma terrível expressão de sofrimento. Seus últimos momentos devem ter sido muito difíceis. Tem uma aliança na mão esquerda. Tem esposa, então provavelmente deve ter deixado um filho ou quem sabe dois. Qual será o nome desse rapaz? Não importa, talvez seja João, Pedro ou Antonio. Com certeza sua vida foi bem complicada. Sua aliança esta toda riscada e suas mãos são calejadas. Devia trabalhar em serviço pesado, ou na roça, ou quem sabe na construção civil. Pra ir trabalhar tinha que se levantar às cinco horas da manhã. Saia sempre sem tomar café, pois não dava tempo, se tomasse, perdia o ônibus e se perdesse o ônibus também perdia o emprego. E isso não podia acontecer, pois sua família dependia dele. Seu filho ou seus filhos dependiam dele. Provavelmente você foi um bom pai e um bom marido. Um pingente com o nome de uma mulher, provavelmente sua mulher. Você também foi muito romântico, afinal qual homem carrega junto consigo uma coisa dessas hoje em dia?
Não gostava muito de se barbear nem de cortar o cabelo.
Fiquei admirado. Era um sujeito muito ansioso, pois quase não existem unhas em seus dedos. Talvez fosse pela extrema responsabilidade com sua vida. Medo de não conseguir honrar seus compromissos. Medo de perder o emprego. Um enorme medo de ficar doente, e assim não poder trabalhar e ser despedido. Medo, talvez, de envelhecer ou morrer antes de deixar o devido amparo à família.
Pagava aluguel. Uma casa horrível, provavelmente num lugar igualmente horroroso, com condições precárias. Seus filhos nem tinham onde brincar. Na rua não podiam, pois tinha um esgoto enorme a céu aberto. Dentro de casa, nem pensar, pois eram somente dois cômodos e o banheiro, se é que aquilo podia se chamar de banheiro. No seu bolso esquerdo há um recibo de aluguel. Muito caro. Pra você tudo devia ser caro.
Mas agora morreu e não precisa mais se preocupar com nada. Apenas fechar os olhos e descansar. Sua mulher com certeza vai arrumar outro marido, pois ainda é bastante jovem. Vai sofrer e vai chorar bastante. Talvez demore pra esquecê-lo, mas vai conseguir. Porque provavelmente, você que sempre foi tão preocupado e atencioso, deve ter recomendado a ela, que se acaso você morresse, pra que ela não ficasse sozinha. Tinha pedido a ela que arranjasse alguém pra ajudar a cuidar dos meninos. Até isso você deve ter pensado.
Agora aí deitado, inerte. Pensando em que?
Seu pai precisou partir filho. Foi morar no céu, junto com as estrela! Respondia aquela pobre mulher a seu filhos sempre que este a indagava sobre seu pai. Não adiantava tentar remendar a história. O menino, mesmo acreditando em sua mãe e nas histórias que ela contava, sabia que seu pai havia morrido. Não voltaria a vê-lo novamente. A viúva, coitada, toda vez que o menino fazia esse tipo de pergunta, se desmanchava em pranto e ficava inconsolável. Seu marido era um bom homem. Um lutador. Mas do que adiantara todo o seu esforço. Se perguntava a pobre viúva. Morrera jovem, sem ver seus filhos criados. Não conseguiu construir a casa com que sonhara morar desde quando casaram-se. Agora não realizaria o sonho de acompanhar seus filhos na escola, levá-los, tomar a lição, pra, segundo ele – Ser gente na vida, ganhar dinheiro e ter alguma coisa!!! Acabaram, todos os sonhos se foram.
Novamente do alto daquele prédio. Numa janela, dessa vez era muito pequena e estava tudo muito escuro ao meu redor. Somente aquele quadradinho iluminado à minha frente. Não sabia se estava sentado ou deitado, mas parecia estar flutuando e aquela sensação me fez perceber que o sonho ou a alucinação havia acabado e tudo agora se tornava mais claro pra mim. Eu estava acordado. Tinha que estar. Aquilo não podia ser falso.
Através daquela pequena janela comecei ver coisas, no inicio estranhas, mas logo fui me acostumando. Eu vi um rapaz sentado sob a sombra de uma árvore. Uma mulher chorando desesperadamente. Uma casa, minha casa, todo enegrecida. Me aproximei mais e vi também uma criança, porém não chorava. Nos seus olhos eu vi um sentimento horroroso que não devia existir no coração das crianças. Ela sentia saudades e eu vi naquela criança que aquele sentimento se transformaria em algo que ela não seria capaz de dominar. Seria transformada numa criatura amarga e infeliz.
Não consegui entender o porque. Não conhecia a mulher que chorava, muito menos os meninos de olhos revoltados e rancorosos. Mas o homem sentado à sombra me assustou. Olhei bem pra ele. Cheguei bem perto. Olhei dentro dos seus olhos e vi. Me vi. Dentro seus olhos me encontrei. Percebi tudo afinal.
Tudo se apagou momentaneamente. Voltei ao jardim onde já havia estado antes. Agora com mais clareza, soube que todas aquelas pessoas estavam na mesma situação que eu. E elas, individualmente, também não conseguiam ver em mim alguma consciência. Pra elas eu também era mais um doente.
SILVA, Edmilson R. Textos Sobre Assuntos Aleatórios, Mas Sem Importância Alguma. Edição Única. Kaloré: Liberdade, 2008.
Felicidade
Subia no galho mais alto daquela imensa árvore e lá de cima podia olhar toda a sua propriedade, que se estendia desde a barroca do rio Cruzante até o pé do morro da Caçarola, lá longe onde sua vista não alcançava. Rezava, agradecia a deus por tudo que tinha. Agradecia pela sua família, pelos seus bichos, que sempre gozavam de boa saúde. Após isso ele descia. Com muito cuidado, pois já não era tão jovem como na época em que começara com aquele costume.
“Bom dia Janete!!” – berrava Manelão entusiasmado. Janete era o nome da sua única vaca. Única não porque ele não tivesse condições de ter mais vacas, mas é que ele era bastante criterioso na aquisição dos seus bichos. Ele acreditava que se não fosse pra ele ter outras vacas iguais a Janete, ele não queria. – A Janete deveria ser uma raça, fico só imaginando o pasto cheinho de Janetes!!! – suspirava Manelão. Tirava o leite, que era suficiente pra sua família. Dava pro queijo, qualhada, bolo, doce. Quando voltava pra casa o dia já tinha amanhecido. Muitas vezes ele, ao atravessar um pequeno bosque que ficava entre o curral e sua casa, parava e ficava hipnotizado com todos os presentes que Deus havia lhe dado. Os pássaros cantavam as mais belas melodias dentro do seu quintal. As árvores tinham uma beleza sem igual. Ficava alguns segundos nesse estado de transe para logo acordar, ainda tinha que tratar das galinhas e dos porcos.
Aquele dia, como todos os outros, fora um longo dia de trabalho. Porém a noite não seria nada tranqüila. Ele tinha acabado de fazer sua ultima tarefa do dia e estava louco pra chegar em casa, tomar banho, comer e dormir, mas quando colocou os pés dentro de casa, foi recebido aos trancos e barrancos pela sua esposa. Ela estava furiosa. – O que aconteceu mulher? – perguntou Manelão pacientemente. – Não se faça de inocente! – gritou sua mulher descontroladamente.
Já se passaram vários anos de casamento com este homem que eu mal conhecia. Pra ser mais exata, eu ainda não conheço. Manelão!! Vê lá se isso é modo de uma pessoa se chamar. Fui obrigada a me casar com ele. Gostava de outro, mas ele não era ninguém. Não tinha onde cair morto, coitado. Já o tal do Manelão tinha. Quer dizer, também era um pobre diabo, mas segundo meu pai, ele tinha uma bela propriedade, que se estendia desde a barroca do rio Cruzante até o pé do morro da Caçarola. Baseando-se nisso, meu pai não pensou duas vezes em arranjar o casamento entre nós. Foi um tragédia, pra mim é claro, pois o safado do Manelão estava em êxtase.
Uma semana de casamento, no entanto nós ainda não tínhamos nos tocado. Eu era muito arredia e rebelde. Mas ele não se importava. – Uma hora você vai ter que ceder. – dizia ele calmamente. Ele não sabia o quanto aquela paciência me irritava. Tinha vontade de matá-lo bem aos pouquinhos e este sentimento se estendia também ao meu pai, pois ele tinha sido o culpado de tudo. Ah.. Miguelito, se fosse com você tudo podia ter sido diferente.
Detestei o lugar. Meu ódio por aquele homem e o sentimento de frustração me cegava a ponto de eu achar horrível aquelas lindas paisagens que juntamente com a casa, parecia um quadro. Odiei a casa, que era muito bem organizada. Limpa. Bem feita. Num bom lugar e com uma ótima vista. Não gostei justamente por isso. Esperava o contrario. Queria que fosse tudo horrível. Que a casa onde moraríamos fosse um pardieiro, sujo como um chiqueiro. Mas não era. Não tive justificativa pra reclamar. Minha última esperança era de que o famigerado Manelão fosse um péssimo marido, bebesse, me espancasse, assim meu pai me aceitaria de volta. Mas o desgraçado nem pra isso prestara. Era gentil e a cada sua gentileza sua eu respondia com algum objeto na parede. Ele não reagia. – Não tem problema amor, foi só um acidente! – dizia ele tranquilamente. Sua paciência era o combustível para minha impaciência.
Seu Manelão entrou, arrastou uma cadeira, sentou-se num canto da cozinha e ficou olhando pra sua esposa pacificamente. Ela estava num estado de nervos que até ele, com toda sua paciência, estranhou. Tremia-se toda. Gesticulava. Puxava os cabelos. Seu beiço tremia. Manelão se levantou, olhou bem pra ela e disse: Vou tomar um banho e dar um pulinho na cidade, quem sabe quando eu voltar você está mais calma... Ela nem olhou pra ele, continuou naquela posição, como se estivesse presa em um mundo que não fosse seu.
Manelão vestiu sua melhor roupa, calçou os sapatos. Foi até a varanda pra se despedir e teve que correr, se não ela lhe acertava um vaso de flor na cabeça. E lá se foi Manelão, rumo à cidade. Nada tirava daquele homem o otimismo e a alegria. Enquanto caminhava prestava atenção aos menores barulhos. O vento balançando o capim na beira da estrada. O canto dos pássaros noturnos. Olhava as estrelas e a lua. Tudo era belo, a noite era como se fosse, pra ele, a princesa do reino onde o dia era o rei. Ele de vez em quando olhava pra trás pra ver se a luz da varanda já tinha se apagado. Na última vez que olhou ainda estava acesa e aquele ponto era o último que dava pra ver a varanda da sua casa. – Daqui a pouco ela se cansa e vai dormir, amanhã vai ser outro dia! – dizia ele, convicto de que no outro dia tudo voltaria ao normal. E o normal pra ele sempre foi agüentar a fúria dela pacifica e passivamente. Nunca reagira. De maneira nenhuma, a não ser inventar alguma inesperada visita a cidade.
Caminhou durante uns quarentas minutos, no máximo, e conseguiu uma carona. Um caminhão boiadeiro que passava, parou e ele foi sentado em cima da carroceria, com os pés balançando sobre as cabeças dos animais. Até aquilo era motivo de felicidade pra ele. Olhava aqueles animais e sentia pena, mas ao mesmo tempo sabia que era preciso sacrificá-los. Chegando à cidade, o caminhão parou e ele desceu. Agradeceu ao motorista, propôs pagamento pela carona, que o motorista rejeito sumariamente. – Deus lhe pague então amigo!!! falou a agradecido. Atravessou a rua, andou alguns metros e entrou num bar. Nunca tinha entrado ali, só queria comprar cigarros. Mas acabou ficando. Se enturmou com o pessoal. Jogou “esnuque”, baralho e até dominó. Já estava tarde quando resolveu tomar a saideira pra ir embora. Sentou-se num banquinho perto do balcão e pediu a bebida. O dono do bar veio atendê-lo rapidamente. – Rapaz, mas que crise ein!!! – falou todo comunicativo o dono do botequim querendo puxar conversa. Seu Manelão assentiu com a cabeça e não deixou ele levar a garrafa mais. Encheu o como novamente e virou. Seria preciso bastante combustível para o longo caminho de volta ao sítio.
Era um lugar esquisito. Alguma coisa como Bar do Bileque. Notei o nome porque estava escrito em vermelho com letras garrafais na fachada do prédio. Apesar disso era um legitimo botequim de fim de rua. Uma mesa de bilhar, algumas mesas de jogos no fundo. Um balcão enorme, com um monte daqueles banquinhos de pernas compridas encostados perto. Todos os banquinhos, ou quase todos, tinham dono. Figuras de todos os tipos, ali se encontravam os brasileiros. Depois desse rápido reconhecimento do território, encontrei um daqueles banquinhos desocupado e tratei logo de me sentar. Queria comer alguma coisa logo, pois dali a pouco estaria partindo. Ao sentar, fui atendido rapidamente por um simpático senhor. Era o tal do Bileque. Todos o chamavam assim, logo...
O senhor Bileque trouxe o meu pedido e continuou por perto onde estava numa animada discussão com um sujeito sentado ao meu lado. Me interesse pela conversa deles e fiquei prestando atenção.
Falavam de felicidade. Seu Bileque dizia que era feliz, apesar de faltar-lhe algumas coisas. Já o sujeito do meu lado, que por sinal já estava bem alto, fazia uma única reclamação, deus havia lhe dado tudo e até mais do que ele merecia materialmente, mas o grande amor da sua vida não o amava. Continuaram a conversa algum tempo ainda até que seu Bileque olhou pra mim e de supetão perguntou: E você, o que acha? Quase engasguei, pois apesar de estar prestando atenção na conversa, não imaginava essa situação, fiquei sem reação. Era como se eles soubessem o que eu estava pensando e que eu tinha também algumas reclamações a fazer ou sugestões a dar.
O sujeito ao lado, pela primeira vez olhou pra mim. Percebi um homem angustiado. Dentro de seus olhos havia uma felicidade realmente incompleta. Era como se faltasse um pedaço daquele homem. Ele ficou alguns segundos olhando pra mim, como se me estudasse, como se tentasse adivinhar qual seria a minha resposta para sua pergunta, como se eu fosse a solução pra aquele dilema em que vivia sua alma e a extrema contradição da sua vida
O que você faz da vida? Perguntou finalmente. Eu, de passagem por aquele lugar, com a certeza de que nunca mais iria ver tais pessoas, num “insight”, respondi:
- Sou vendedor de idéias.
- Vendedor de idéias, como assim?
- Não vai adiantar explicar agora, por que não tenho tempo.
- Tudo bem, então me vende uma, nem que for uma bem pequena.
- Agora quem não entendeu foi eu senhor. O que o senhor quer exatamente?
- Eu quero ser feliz.
- Ah!!! Isso é muito fácil.
Aquele senhor então olhou pra mim com uma cara de espanto e quis saber se eu era feliz. Respondi que sim e ele fez uma cara que eu sabia que era de inveja e ao mesmo tempo de orgulho. – Me ensina? – pediu, quase num sussurro. Então eu disse que ele já era feliz e que não precisava procurar em outro lugar, pois a felicidade estava dentro dele há muito tempo. Ele então perguntou se sua mulher um dia poderia amá-lo. Após saber toda a história, experimentei uma opinião.
- Você podia deixá-la ir. Ela não é sua felicidade. Sua felicidade está em você mesmo. Nas coisas que você dá valor. Na beleza que você vê ao seu redor. E isso ninguém vai tirar de você. Sua esposa, provavelmente também é infeliz e muito provavelmente também não é culpa sua. Parece-me que vocês buscam felicidades diferentes e nunca encontrarão um no outro. Você já é feliz, deixe-a ser também.
Não faço a mínima idéia do por que daquela resposta. Se formou em minha cabeça e fui falando espontaneamente, como se fosse algo que eu realmente acreditasse e que fizesse parte do mel rol de conceitos, ou ainda, talvez eu estivesse repetindo algumas das muitas opiniões sobre a vida expressas nos muitos livros em que já lera. Enfim, o fato foi que aquele homem havia se impressionado com minha fala. Mas antes dele falar alguma coisa, levantei e sai apressado, havia chegado minha hora.
Era tudo que eu queria que ele fizesse. Não agüentava mais. Todos aqueles anos convivendo com Manelão e eu não cedi um milímetro sequer. Era a mesma pessoa do dia do nosso casamento. Frustrada, magoada e ressentida com a vida. Eu fui enganada pelo destino. Mas finalmente tinha me decidido. Abandonei tudo, pois nada daquilo tinha valor pra mim. – Manelão!! – não estava nenhum pouco preocupada com ele. Tinha certeza que, apesar de tudo indicar o contrario, ele sempre esteve olhando exclusivamente para o seu próprio umbigo. Ele teve como evitar tantos anos de sofrimento, tanto meu como dele, mas ele preferiu arriscar nossas vidas nessa tentativa de conquistar o amor à força. Não conseguiu. Teve o que mereceu durante todos esses anos. Não queria que ele ficasse com nada, nenhuma lembrança minha. Desejei nunca ter existido pra ele.
Fui até o quarto, arrumei algumas roupas numa pequena sacola e bem tranquilamente sai. Fiquei por alguns minutos olhando a noite. O céu, as estrelas, a lua. Olhei cada detalhe daquele lugar que tinha passado quase toda minha vida. Apesar do escuro, era como se estivesse dia, pois enxergava nitidamente tudo. O curral e os animais que dormiam naquela hora da noite. Janete ruminando bem tranqüila, encostada na cerca olhando pra mim. O galo empoleirado em cima da casa que tanto me irritara e agora não conseguia imaginar-me sem seu canto. Olhei mais uma vez pra aquilo tudo e fiz o que tinha de fazer.
De longe o clarão daquelas chamas iluminava o caminho. Não olhei pra trás. Já não tinha mais nenhuma ligação com aquele lugar e nada me fazia desviar do meu destino. Agora eu seria a senhora da minha própria vida. Quando vi ele se aproximar, tive a certeza de que tinha feito a coisa certa. Me encontrava, naquele momento, com a felicidade que um dia me fora roubada.
Tudo era negro. Canudos de fumo subiam dos restos do que foram um dia o sitio de Manelão. Ele olhava perplexo. Já havia amanhecido e ele ainda não conseguia esboçar nenhuma reação. Não chorou. Sua casa destruída. Todos os seus animais mortos. Seu galo e a vaca Janete também. Nem quando encontrou seus restos mudou sua expressão resignada. Não restou definitivamente nada de tudo aquilo que um dia tinha sido seu mundo. O mundo de seu pai e de seu avô. Não chorou. Nenhuma única lágrima. Pensou na marida. Provavelmente estava morta também. Não sentiu tristeza, sentiu como se tivesse a libertado
Olhou ao longe e viu o pé de figueira também queimado. Tudo destruído. O pequeno bosque perto também estava queimado. Aproximou-se do que restou daquela grandiosa árvore, subiu até onde deu. Agradeceu. Tinha finalmente encontrado a felicidade. Era finalmente livre pra satisfazer a si próprio.
Sozinho, sem jamais olhar pra trás, agora ele era feliz.
sexta-feira, 25 de abril de 2008
Calçada
Não havia tempo a perder. Passou rapidamente pelo vestiário, trocou de roupa como se tivesse que pagar uma multa exageradamente alta, caso se demorasse nesse ritual, quase fúnebre, em que as pessoas muitas vezes ficam horas e horas experimentando peças e peças de roupas. Fez isso num átimo de momento.
Já na calçada, como um psicótico, olhou para um lado e outro da rua, na direção de qualquer carro, como se quisesse compreender todo o seu funcionamento somente pela pura e simples apreciação do modelo, da cor, dos tamanhos e modelos das rodas, os tipos de pneus. Parecia prestar atenção aos mínimos ruídos dos motores, perceptíveis talvez apenas aos cães.
Gostava de amarelo, achava essa cor a mais bela entre todas as outras e sempre que tentava nunca conseguia encontrar uma razão prática e racional pra esse gosto, tão estranho quanto gostar de assistir jogos de futebol, aos domingos, às quatro horas da tarde, totalmente nu no sofá em frente ao televisor.
Seguiu, instintivamente, na mesma direção em que seguia o primeiro carro amarelo que por ali passou, indo no sentido do Dama do Alvoroço, que era um clube, que ficava na zona leste da cidade. Um clube, porém, não se podia dizer que era um clube social, pois estava mais pra clube anti-social. Na verdade era mesmo um bom e velho clube daqueles em que somente os homens são bem vindos, mais parecendo o Clube do Bolinha.
Andou durante uns quarenta minutos, pela calçada que estava bastante tumultuada. Muitas pessoas indo e vindo, parecendo que todas estavam com os mesmos objetivos, ou seja, atrapalhá-lo. Mas tendo percebido esse estratagema, rapidamente, nosso neurótico e esquizofrênico herói tomou uma difícil decisão, que provavelmente mudaria completamente o rumo de nossa história. Mas não muito.
Dentro do táxi, Ariano olhou e reparou em tudo. Viu que as borrachas de vedação das portas não estavam no lugar, a manivela de subir ou descer o vidro não funcionava corretamente, o assento do carro não era confortável o suficiente, o cinto de segurança não estava dentro das especificações do conselho nacional de trânsito, o motorista não estava decentemente trajado, aliás, trajava uma calça jeans bastante surrada, uma camiseta de um branco um tanto encardido, usava uma boina preta na cabeça à Che e uma barba enorme, que fazia com que aparentasse ter pelo menos uns sessenta anos. Ariano não aguentou e perguntou sua idade. Tinha apenas vinte e dois.
Assim que conseguiu inventariar todo o interior do táxi, Ariano lembrou-se que na pressa de se livrar daquela multidão da calçada, se esquecera de reparar qual era a cor do carro e isso o incomodou bastante. Foi então que abriu a janela e coloco aquela sua enorme cabeça espantada para fora do carro para verificar pessoalmente a cor, sem ter que apelar humildemente para a boa vontade do motorista com sua possível pergunta, que pro motorista podia ser inútil e sem sentido, além do mais não queria atrapalhá-lo na sua tão compenetrada condução do veículo.
O carro era vermelho e ele nem titubeou em pedir para que o motorista parasse o carro imediatamente, pois ele precisava descer bem ali. Mal sabia o motorista que ele não podia ficar um minuto sequer dentro de um carro que não fosse amarelo. O motorista ainda tentou argumentar que ali era muito perigoso pra ele descer, mas não teve jeito.
Na calçada novamente pode respirar aliviado, havia se livrado da maldição de ter que andar em um carro como aquele. Havia andado apenas algumas quadras, mas o movimento na calçada já era bem menor e isso foi constatado com muito contentamento pelo nosso amigo. Havia poucas pessoas andando naquele ponto. Pôs-se a caminhar na direção do Clube do Alvoroço, sem pressa, tranqüilamente com a certeza de que o rio corre para o mar.
Os muros e grades das casas passavam lentamente por ele. Muros altos e baixos. Grades de todos os tipos e cores. Havia alguns em que trepadeiras vigorosas cobriam toda a extensão do muro ou grade, desfigurando totalmente o muro. Nosso amigo caminhava insistente por aquela calçada e achava muitas vezes que ela queria o impedir de passar. Havia muitas raízes e rachaduras e buracos, que contribuíam para que a calçada mais parecesse o front da primeira guerra mundial, com suas trincheiras e enormes buracos causados pelas bombas, e muitas vezes, podia avistar até mesmo pessoas lá dentro, tornando-se os soldados entrincheirados aguardando ordens de ataque ou evasão.
Continuou perspicaz em sua caminhada, pois não podia falhar naquele momento, era necessário que conseguisse chegar naquele lugar que nem mesmo ele sabia onde era e isso estava parecendo uma seqüência interminável de algum experimento onde as coisas sempre terminam onde começam.
Chegou em frente ao Clube do Alvoroço exatamente três horas depois de ter deixado apavorado o seu trabalho sem ao menos pedir ao chefe para sair, nem mesmo explicar os motivos de sua imediata ausência do local de trabalho. Lá estava ele, parado e olhando fixamente para a fachada do clube. Mais uma vez com aquele olhar citado no inicio dessa história que mais parecia um louco ou maníaco a maquinar alguma malvadeza ou loucura, obviamente.
O prédio era uma construção antiga que mais parecia um museu. Havia seis grandes colunas ao velho estilo grego ou romano, talvez um misto dos dois estilos. Essas colunas pareciam funcionar como uma amurada de proteção para os freqüentadores daquele local e assim exercia fielmente sua função, pois pra quem não sabia o que ali funcionava, jamais descobriria num primeiro olhar. A construção era bastante alta, se fosse um prédio deveria ter uns dois ou três andares. De onde ele estava não dava pra ver mais detalhes além da imensa porta cor de ébano, com um grande instrumento daqueles que a gente utiliza para bater à porta, cujo o nome eu infelizmente desconheço.
O jardim era imenso e bastante colorido, havia inúmeros tipos de plantas ornamentais e não havia nada que separasse a calçada, o jardim e o prédio do clube. Foi nesse momento que aconteceu o inesperado, pra mim é claro. Nosso amigo deu apenas alguns passos em direção à porta quando teve que encarar dos dois lados do estreito caminho por onde passava, canteiros com milhares e milhares de flores coloridas e infelizmente sem nenhuma da cor preferida do nosso herói.
Sem que mudasse qualquer traço do seu já citado rosto de gente louca, ele recuou, deu a volta, porém, se é o que vocês, leitores, estão pensando, não posso garantir que o motivo tenha sido o fato de que nenhuma daquelas pequenas, perfumadas e delicadas flores não ser da coloração de sua preferência. O fato é que ele voltou à calçada, pois estava atrasado novamente, como demonstrava os gestos frenéticos que fazia enquanto olhava pro seu relógio.
... Já na calçada, como um psicótico, olhou para um lado e outro da rua, na direção de qualquer carro, como se quisesse compreender todo o seu funcionamento somente pela pura e simples apreciação do modelo, da cor, dos tamanhos e modelos das rodas, os tipos de pneus. Parecia prestar atenção aos mínimos ruídos dos motores, perceptíveis talvez apenas aos cães....
Mas isso já é uma outra história!
Assim, amém
Assim rejeitamos nossos próprios sonhos, pois contradizem nossos conceitos, equivocados, a respeito da verdade. Assim, verdadeiramente, nos preocupamos com as aves, pois não sabemos como vivem. Assim questionamos sua liberdade. Assim escravizamo-nos dia após dia, insensivelmente. Assim, nós humanos, nos tornamos humanamente animalescos. Assim continuamos, prepotentemente, no caminho exato. Assim como a certeza de estarmos certos.
Assim como a pureza que nos é negada. Assim como a negação dos sentimentos sentidos e ressentidos. Assim como as sensações que nos são estranhas. Assim como a estranheza que causa as dores. Assim como as dores que revelam as provas. Assim como as provas de nossas experiências. Assim como as experiências dos reencontros.
Assim e somente assim perpetuamos nossa medíocre existência. Assim como animais que mecanicamente nascem, se reproduzem e morrem. Assim como seres feitos de chuva, vento e barro. Assim como folhas que caem, morrem, pra depois voltarem a serem folhas. Assim pela eternidade morremos. Assim eternamente mortos vivemos como se estivéssemos alcançado a plenitude. Assim, plenamente, estamos sempre parados num ponto qualquer, entre a morte e o ser.
Por assim ser, não somos. Se assim fossemos, talvez pudéssemos voltar a não ser. Quando assim pudermos viver, sem ser, já não haverá humanidade. Humanos assim vivendo. Assim e pra todo sempre assim.
Ontem foi assim. Hoje é assim. Amanhã também será assim. Assim não há chances de mudanças. Pois assim não queremos mudar. Mais do que assim, queremos repetir as lições de ontem. Para assim continuarmos iguais amanhã. Assim não se importando ou se importando com nada.
Assim nada pode nos interromper. Assim como cometas em suas órbitas. Mesmo assim, sem sentido. Assim e sempre assim. Amém.
Costureira
Não podia se dar ao luxo de cometer erros, pois erros custavam caro. Dinheiro que ela não tinha. Nunca tinha. Sem errar permanecia na eternidade dos dias obedecendo cegamente ordens que enchiam sua barriga e alimentavam seus filhos. Vivia assim, na infinitude dos tempos que não tinha pra pensar no que estava fazendo.
Levantava-se muito cedo. Todos os dias. O relógio era o companheiro inseparável das noites em que não conseguia dormir.
Os tecidos, as agulhas e o barulho de todas as máquinas do mundo iam morar dentro de sua cabeça. Não conseguia se separar nem por um momento daquele ambiente. Acabava um modelo e começava outro.
Nestas noites repassava detalhe por detalhe todos os passos das entediantes etapas que separavam um tecido sem forma de uma camiseta, calça, blusa ou qualquer outra peça que estivesse costurando naqueles dias.
A sensação de alivio que sentia quando acabavam uma encomenda. A euforia inicial e logo depois o desespero, quando chegava um novo modelo a ser costurado. As caras e bocas dos encarregados cobrando, olhando e vigiando. O ferro, passando as partes antes de serem costuradas. A troca da linha na máquina. O acelerador que nunca funcionava corretamente. Relembrava.
E amanhecia.
A caminho novamente da fábrica. O que a esperaria neste dia? O de sempre. Chegava, cumprimentava, ia até seu lugar, sentava, preparava sua máquina e costurava, a costureira. Até na hora do almoço era a parte fácil, mas a tarde era torturante. O calor e o barulho se multiplicavam.
Mas ela ficaria lá. Ficava lá, pois precisava. O salário não importava mais pra ela. Costurava porque sabia fazer aquilo. Mais nada tinha aprendido. Os fins de semana eram pra ela piores do que a rotina dos dias de trabalho.
Ela não gostava do que fazia, mas não sabia viver de outra maneira. Nasceu pra costurar e assim vivia, a costureira, a costurar.
Seu futuro não existia. O futuro não existia. Ela só olhava o que podia enxergar, sem planos, sem pressa e sempre. Inexoravelmente avançava.
Medo
Medo de falar
sua voz me faz sorrir
minha voz me faz calar.
Quando olho pra você
olho sempre pra mim
o que vejo me faz crêr
no que vejo mesmo assim.
Não adianta mais falar
nem tentar me iludir
o que eu quero está lá
onde os sonhos podem ir.
Quero tudo o que é meu
nao me passe pra tráz
com aquilo que é seu
meu ou seu, tanto faz.
SILVA, Edmilson R. Textos Sobre Assuntos Aleatórios, Mas Sem Importância Alguma. Edição Única. Kaloré: Liberdade, 2008.
quarta-feira, 23 de abril de 2008
A praça
Os bancos da praça, as árvores da praça, os passeios na praça.
quinta-feira, 17 de abril de 2008
Beira de estrada
quarta-feira, 16 de abril de 2008
Corre
SILVA, Edmilson R. Textos Sobre Assuntos Aleatórios, Mas Sem Importância Alguma. Edição Única. Kaloré: Liberdade, 2008.
sábado, 12 de abril de 2008
Reino Desencantado de Maharba
SILVA, Edmilson R. Textos Sobre Assuntos Aleatórios, Mas Sem Importância Alguma. Edição Única. Kaloré: Liberdade, 2008.
Abstrações e Psicologismos
Patologias que adoecem pra vida
Saudades querendo não ver
Semelhanças que lembram o diverso
Abstrações de mentes perturbadas
Psicologismos de gentes equivocadas
Perdição como face dos sonhos
Pesadelos como cena do crime
O fogo acalmando o espírito
Virtudes que escondem o proibido
Ódios sentindo tesão
Esconderijos que revelam o que são
Brasas como gelo no whiski
Lama como apoio aos medos
Verbos como inicio de tudo
Provérbios como provas do mundo
Inimigos tecendo o perdão
Ironias que querem dizer
Palavras soando em vão
Promessas que fingem fazer
Sonhos como vidas sem ar
Respiração como incentivo ao fim
Manhãs como inicio e fim
Finais como alegrias e dores
Problemas durando a morte
Mentiras que cheiram a sorte
Rancores valendo a razão
Alianças que trincam na mão
Estranhos como querem lá fora
Mentiras como são no sermão
Caminhos como guerra agora
Guerras como acordo de então
SILVA, Edmilson R. Textos Sobre Assuntos Aleatórios, Mas Sem Importância Alguma. Edição Única. Kaloré: Liberdade, 2007.
Oração
Nos cantos escuros do meu silêncio
Respostas ditas apenas a mim
Minha busca se faz sem sentido
Ser imaginário
Eu sou imaginário
Pensamentos que nunca se encontram
Idéias e loucuras distantes
Viagem ao redor do meu mundo
O que sinto não me diz nada
Pra onde vou não me acho
Estrelas caindo de todos os céus
Voltando pra casa enfim
O vento soprando sempre ao contrário
Amores que não significam amor
Ódios são desejos
A beleza está em toda a parte
Mas procuro em lugar nenhum
Quando os milagres acontecem
Estou distante e perplexo
Perceber como tudo acontece
Não é o mais importante
Pois ele não é nada pra mim
Ele não vive na minha realidade
Estou bem sem tudo isso
Quando tudo é mal
Ainda assim vejo algum signo
Agora acabou a prece
Desacredito que ele ainda ouça
Não acredito em verdade no que foi escrito
E as proezas descritas
Quem sabe?
Resolver todos os problemas
Um dilema, teorema
Ou pura invenção
No principio de tudo
Fez-me
E eu me vingo
Reconstruindo o que era pra ser seu
Eterno, imutável e intransponível
Ser imaginário
SILVA, Edmilson R. Textos Sobre Assuntos Aleatórios, Mas Sem Importância Alguma. Edição Única. Kaloré: Liberdade, 2008.
Final feliz
À noite vejo a lua
À noite penso no sol
Pássaros voam na noite
Meu pensamento se desfaz
E se refaz numa agonia
A solidão me açoita
É pesada a tortura
De dia olho o céu
Só vejo escuridão
Não vejo muita coisa
As flores estão todas abertas
O mundo se movimenta
O movimento é continuo
É dinâmica a vida
Energia que alimenta
Os sonhos de anteontem
Os amores de depois de amanhã
Os sabores que o vento traz
Os odores que sempre ficam
As dores que atormentam
A tristeza que acompanha
A morte não é estranha
Mas viver é bem pior
Olho tudo o que gosto
Interessa-me as formigas
Os cachorros, os gatos e os besouros
O que me interessa
Admiro, admito
Adjetivos não encontro
Pois quero levar tudo comigo
Não importa pra onde for
Talvez nem vá, fique
Mas não quero ficar
A tortura esgota
O desgosto apavora
Assim não há descanso
Não há paz no silencio
No escuro só haverá choro
Medos de criança
A chuva molha a casa
A água entra por todos os lados
Nas frestas e buracos
No escuro ninguém vê
Ela escorre e encharca
Os vapores se dissipam
As lembranças afloram
O vento e a chuva
A noite e o sol
A lua e os besouros
Fazem muito bem
Mesmo fazendo mal
SILVA, Edmilson R. Textos Sobre Assuntos Aleatórios, Mas Sem Importância Alguma. Edição Única. Kaloré: Liberdade, 2007.
Evolução
Tudo é engano e as pessoas desenganam.
A evolução do homem busca a tragédia.
Estamos condenados e o fim já se aproxima.
Apaixonamos-nos por nós mesmos.
Mais triste torna-se o nosso futuro.
Mais um engano sem solução.
Pra onde estamos indo não há volta.
Nem percebemos que estamos errados.
Cegos, permanecemos amarrados.
Aos nossos interesses individuais.
Somos suficientes apenas a nós mesmos.
Nós só precisamos olhar pra frente.
Pois não existe mais ninguém.
E nada nos faz desviar do nosso destino.
Ansiedade de termos alguma coisa.
Pra que sermos alguma coisa?
Não percebemos que não somos o mundo.
Sozinhos não somos nada.
O universo conspira contra nós.
E nós somos seu principal auxiliar.
Tudo vai acabar como começou.
O nada será para nós uma recompensa.
SILVA, Edmilson R. Textos Sobre Assuntos Aleatórios, Mas Sem Importância Alguma. Edição Única. Kaloré: Liberdade, 2008.
Atitudes
Levante
Desperte
Observe
Perceba
Reflita
Considere
Conclua
Aja
Movimente-se
Ajude
Participe
Reclame
Bote a boca no mundo
Exponha
Sugira
Mexa-se
Não espere
Faça
Ouça
Desconfie
Acredite
Vá
Não pare
Entenda
Conserte
Viaje
Volte
Não abandone
Queira
Mude
Leia
SILVA, Edmilson R. Textos Sobre Assuntos Aleatórios, Mas Sem Importância Alguma. Edição Única. Kaloré: Liberdade, 2008.
Lente
De uma lente
Que aumente
Totalmente
As virtudes
Da gente
Mas que pena
Tal lente é pequena
É como antena
Sem receptor
E sempre camufla
O velhor feitor
A gente
Compreende
Entende até
O que ignoramos
Se pudéssemos saber
Seria pior
Ou seria melhor?
Ou seria igual?
Ou ainda, banal?
Ou mesmo frugal?
Quem sabe um dia
A lente de aumento
Exista enfim
Enquanto isso
Seguimos usando
A de diminuir
SILVA, Edmilson R. Textos Sobre Assuntos Aleatórios, Mas Sem Importância Alguma. Edição Única. Kaloré: Liberdade, 2008.
Todos iguais?
SILVA, Edmilson R. Textos Sobre Assuntos Aleatórios, Mas Sem Importância Alguma. Edição Única. Kaloré: Liberdade, 2008.
Pedido
SILVA, Edmilson R. Textos Sobre Assuntos Aleatórios, Mas Sem Importância Alguma. Edição Única. Kaloré: Liberdade, 2008.
Santa Ignorância
SILVA, Edmilson R. Textos Sobre Assuntos Aleatórios, Mas Sem Importância Alguma. Edição Única. Kaloré: Liberdade, 2008.