Numa manhã qualquer de um dia qualquer, há poucos dias antes do nascimento do filho, ele iniciou sua jornada rumo ao desconhecido dos sacrifícios feitos por amor. Seu filho seria a eternidade tão desejada, a extensão de sua própria vida, a prorrogação irremediável de sua própria existência. Ele se ajoelhou então e pediu, orou, rogou, implorou. Ficou inerte naquela posição pelos intermináveis três dias e três noites, exatamente como estava descrito nos livros da tradição. Exatamente como havia aprendido com seus próprios pais e também com os mais velhos.
Ao fim das últimas vinte e quatros horas, com o dia já se avizinhando da madrugada e com a claridade do dia já tomando forma no horizonte nuvens escuras começaram a se formar naquele límpido céu. O pai do filho, que ainda não havia nascido, ficou de pé, olhou para os joelhos feridos, olhou para o horizonte e para as nuvens e sorriu satisfeito. Havia conseguido fazer o sacrifício sem que a tentação da desistência viesse lhe fazer companhia, sem que a vontade fraquejasse um só momento. As nuvens se formando eram um bom sinal.
Três dias depois o sol já não visitava o céu e as nuvens antes amigáveis se tornaram ameaçadoras. Pareciam arautos de alguma coisa ruim por acontecer, mas não chovia. A nuvens estavam gigantescas e não chovia. Naquela madrugada o filho do pai nasceu e nesse momento as nuvens escuras e ameaçadoras puderam descansar de seu próprio sacrifício. Despejaram sobre a terra a mais pesada chuva que o pai já tinha visto. Fora uma chuva como um choro desabafado. Como um ufa de alívio. E o filho veio ao mundo num dia de chuva, no dia dessa chuva. O pai sorriu mais uma vez e dessa vez o sorriso nunca mais saiu de seus lábios.
O filho abriu os olhos enquanto chovia. O pai viu. O filho falou sua primeira palavra e para a surpresa do pai, não foi pai que ele disse e sim chuva, pois ainda chovia. O pai ouviu. O filho comeu da mão do pai a mesma comida que ele comia enquanto a chuva caia. O pai o alimentou. O filhou cresceu de mãos dadas com o pai, aprendeu com o pai a acreditar no improvável e até no impossível, mas aprendeu mais com a chuva que nunca parava do que com seu próprio pai. O filho cresceu e ficou muito parecido com o pai. Os mesmos olhos sonhadores. As mesma sobrancelhas grossas. O mesmo rosto forte mas ao mesmo tempo sensível. Os mesmos gestos, gostos e costumes.
O pai já não se via. O pai se via filho e muitas vezes o filho se via pai. O pai um dia desejou que a chuva parasse para que ele e o filho pudessem receber a visita do sol, da poeira em dia de ventania, do cheiro das flores, do vôo dos pássaros. O filho não gostou do desejo do pai. O filho não entendeu que o pai queria mais para o filho. O filho que já havia se tornado o pai desejou que tudo fosse um sonho.
O pai ajoelhado pedindo pelo sol não viu quando o filho encerrou sua oração com um gesto. O pai já não era o pai. O filho também jamais seria o pai. A chuva parou e o sol finalmente apareceu. Mas foi um sol triste, tímido, como se tivesse perdido um ente querido. Não brilhava como deveria e o filho percebeu o que tinha feito. Não fez como seu pai. Não podia repetir os gestos do pai. Tinha que negar tudo o que tinha aprendido. Apenas uma coisa ele podia fazer. E então desejou a chuva mais uma vez com aquele ritual. Mas dessa vez o filho que já não tinha pai, não se ajoelhou, apenas gritou por três longos dias para que a chuva voltasse.
Gritou para que as nuvens apresentassem suas lágrimas. Ordenou que as chuvas jamais o deixassem lembrar do seu pai. Quis e desejou que raios e relâmpagos escondessem no fundo de seu peito o filho que não se tornou pai porque o pai um dia desejou o sol. E assim foi.
As nuvens se formaram, o sol desapareceu e a chuva veio. O pai perdeu-se nas lembranças do filho e nas enxurradas da chuva. O filho também partiu com o vento que vinha do norte. E não foi mais filho. E não foi mais pai. E também não foi mais sol. Apenas chuva. Os olhos do filho choraram lágrimas de chuva. E já não era filho. Era o pai chorando pelos olhos sonhadores do filho.