sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Sob controle


Ao sair do trabalho naquele dia não pude conter a raiva que estava sentindo do mundo. De mim mesmo talvez. Quem sabe? Caminhando desesperadamente sem sentir bem as pernas, enquanto os dedos do pé formigavam como se estivessem adormecidos. Um vento fraco e seco, mas quente, torturando meu rosto e meus cabelos. Tinha raiva até do vento. O dia estava acabando. Mais um dia se acabava e eu continuava exatamente como no dia anterior. A raiva que sentia era crescente, já que não conseguia me livrar daqueles nós que me prendiam.

Andei, vagarosamente, sem pressa alguma de chegar em casa. As ruas pareciam mais largas do que de costume e as calçadas naquele dia também não estavam como antes. O sol já estava bem baixo no horizonte, mas ainda estava forte. Encontrei uma amiga. – Boa tarde! Cumprimentos vazios e sem graça, distribuídos autômatamente como se máquina fosse. Outra amiga e a mesma coisa. Outras pessoas todas, cumprimentadas da mesma forma. Era como se elas verdadeiramente não estivessem lá. Na minha frente apenas uma escuridão fosca por onde eu travava uma dolorida batalha pra enxergar.

Segui por aquela rua esburacada, desci uma quadra, dobrei à esquerda, me deparei com vários homens dentro de um desses butequins. Que cena! Passei por eles muito rápido, cumprimentando discretamente um e outro. Em cidades como a minha é natural conhecer muita gente e percebi que a maioria daqueles homens que ali estavam, naquele horário, com um copo na mão e uma garrafa ao alcance do braço, devia estar em casa naquele momento. Como assim? Devia? Quem sou eu pra dizer o que o outro deve ou não fazer? Enfim, no momento eu fiquei com mais raiva ainda. Tinha vontade de passar uma descompostura naqueles homens, que estavam perdendo tempo naquela situação ridícula. Bêbados!

Mas passei por eles sem passar essa vergonha. Indignada, revoltada, segui meu caminho. Dobrei à direita e desci umas duas quadras para novamente dobrar à esquerda numa dessas esquinas de cidade pequena onde se concentram alguns comércios. Lembro que nesta esquina há alguns anos existia aquilo que a gente chamava de venda, que é o equivalente aos supermercados de hoje em dia. Mas as vendas eram melhores, com certeza. O atendimento era personalizado, tínhamos um atendente só pra gente, era muito confortável. Mas isso já é saudosismo. O que é isso? Eu não sou assim.

Bem, nessa esquina mais um bom número de desocupados assistindo de camarote o trabalho alheio ou então gastando aquilo que não tem por que qualquer coisa é melhor do que ir pra casa. Descansar do trabalho, ficar com a família, cuidar e dar atenção aos filhos não é uma opção válida pra esses sujeitinhos. O melhor mesmo é ficar na rua, se esbaldando, jogando conversa fora. Esquecer da realidade é a única alternativa que eles tem para viver alguma ilusão.

Não gostei do que vi. Não gostei do que ouvi. Mas não podia fazer muita coisa a não ser baixar a cabeça, escutar alguns desaforos obscenos e seguir meu caminho. Minha realidade me esperava.

- Boa tarde! – Como você vai? – Andou meio sumida? – O que houve? – Que saudades de você! - Passa lá em casa! – Preciso te contar umas novidades! Todas essas indagações e cumprimentos que mais uma vez respondi sem responder, apenas com uma expressão falsa de contentamento ou com um balançar duro da cabeça. Pra que aumentar conversa com essas comadres de plantão? Seus maridos estavam fazendo naquele momento tudo aquilo que originou meu ódio e elas, amélias, estariam prontas pra eles quando chegassem em casa. No fogão comida pronta. Cueca, toalha e chinelo no banheiro. E ainda uma bela expressão de felicidade no rosto.

Deixei essas divagações pra trás. Apertei o passo, pois já estava um pouco atrasada. Meu marido não era tipo que ia pra botecos ao sair do trabalho. Ele ia e gostava muito, chegava tarde todo dia, mas ele sempre ia após ir pra casa, realizar aquele maldito ritual em que me mantinha submissa sob seus pés durante tantos anos. Ele ia primeiro pra casa e eu não podia chegar depois dele. Fato! Apertei o passo, quase corri mesmo.

Cheguei primeiro. Ufa! Preparei o jantar. Arroz, feijão, carne moída com batata, salada de tomate com repolho, esse era o cardápio de hoje. Tomara que ele goste! Eu sempre rezava por isso. Tudo pronto, preparado e ele chegou. Estranhei o beijo na testa. Achei muito estranho o afago na nuca, apesar de ter gostado. Mas nada mudou. Entrou no banheiro e fez as requisições de sempre. Aos berros levei apressada a toalha. Preparei seu prato. O de sempre.

Sentou-se à mesa e desfiou o rosário costumeiro de reclamações do seu dia. Sim, sempre o seu dia. E o meu dia? Não, isso não importava. Comeu, bebeu, levantou-se para deitar no sofá. – Cadê o controle? Pega pra mim! Anda logo! Pssiu, quero ouvir a notícia! Pronto, era o silêncio de sempre a preencher todos os espaços da minha vida. Eu sabia que todos os outros dias seriam exatamente iguais.

Ainda tentei dialogar, conversar uma última vez sobre coisas da vida ou sobre nossa própria vida. Ele não me deu alternativa. Ensimesmado no seu mundo ele permaneceu e eu gravitando em sua órbita, inerte, sem chance alguma de mudança de posição. Levantei-me, fui até a cozinha. Ainda parei no corredor e olhei pra mim mesma refletida no grande espelho na parede na ilusão de me desfazer daquele sentimento que me tomava. Não adiantou. Abri a gaveta da pia, não foi difícil encontrar o que procurava. Voltei silenciosamente até a sala. Olhei uma última vez pro homem deitado no sofá, com o controle da TV na mão. Eu não o conhecia mais, não era meu marido e eu não podia sentir nada além de ódio por aquele homem. Sem nenhum remorso ou arrependimento. O corte profundo na garganta resolveu todos os meus problemas. Matei e vi seu sangue escorrer pelo sofá até o chão e formar uma grande poça. Poça onde fiquei subalterna durante tanto tempo. Olhando praquele corpo inerte no sofá e pro sangue acumulado no chão decidi. Agora que matei, matarei!

domingo, 19 de agosto de 2012

Domingos encontros!

Aquele domingo preguiçoso
A manhã inteira perdida
A tarde quase esquecida
Dia de computador
No balcão a chave do carro
Chave do cadeado
Que tranca o portão
La fora algumas surpresas
Se foram alguns mais velhos
Ficaram inúmeros novatos
Encontros no meio da rua
Vidro do carro abaixado
Um toque, um cumprimento
Asfalto, calçada, esquecimento
Volta pra casa depressa
Despedida que nada
Fica mais um pouco
Senta, fala, escuta, aprende
Quatro, cinco ou seis amigos na mesa
Mesa redonda repleta de copos
Repleta mesa de sonhos
Redonda mesa de cartas
Cartas marcadas talvez
Marcas de velhas amizades
Malhas trançadas com sorrisos
Afinidades e mais alguns sonhos
Que encontro, no ponto
Tudo pronto e marcamos novamente
No mesmo lugar
Num outro domingo
Ao sabor de nossa música preferida
Aquela que escrevemos na hora
Mais uma daqueles domingos
De escolhas improváveis
E experiências incríveis
Até o próximo domingo
Que seja logo esse dia
Pode ser na segunda
Na quarta ou na sexta
O próximo domingo.

domingo, 12 de agosto de 2012

Palavras


Sou melhor com as palavras escritas do que com as faladas. Últimamente tenho exagerado com estas últimas. O resultado direto é que tenho afastado as pessoas de mim. Talvez seja eu que esteja me afastando das pessoas. Não sei quem é o protagonista dessa novela.

Confesso que eu estou cada vez mais excêntrico e parece que a cada dia conquisto o direito de não gostar de algumas coisas que antes eu fingia que gostava para manter uma certa aparência social, uma tranquilidade que não mais me satisfaz.

O preço é alto a ser pago. Por enquanto eu tenho pago, mas até quando eu vou suportar isso? A idade, que vem se aproximando, talvez me diga o que fazer. E se não disser? Provavelmente vou continuar falando mais do que devo e calando menos.

Mas que bosta de texto é esse? Uma confissão ou um desabafo? É que as vezes me sinto sufocado. A sensação real é de uma corda no pescoço. Mas tudo bem, eu sempre vivi na corda bamba mesmo, sempre convivi no extremo. A diferença sempre foi meu forte e nunca fraquejei. No máximo uma dúvida e pra quem não sabe, a dúvida é o motor do mundo.

Ainda tenho algum tempo sobre o planeta pra aprender mais algumas coisas. Posso até não aprender, mas vou morrer tentando. Desistir não é um verbo que eu costumo de conjugar. Assim, pra ouvir mais do que dizer vou precisar recalcular minhas rotas. E isso, felizmente, eu tenho pleno domínio. Sei exatamente onde, como e quando quero chegar!!

Dia dos pais

 
Meu pai não teve tempo de me ensinar muita coisa. Não teve oportunidade de me ensinar o que é ter um pai. Por outro lado, por ter me deixado cedo, involuntariamente me ensinou a me virar sozinho. 
Óbvio que minha mãe tentou fazer os dois papéis. Em alguns momentos ela até conseguiu. Mas existem algumas coisas que somente os pais podem ensinar e eu não tive esse privilégio. Não sou melhor e nem pior do que ninguém por isso. Apenas tive que correr atras das minhas coisas sozinho e aprendi muito com minha mãe, mas também aprendi muito sozinho também.
Andei muito, saí de casa, morei sozinho em vários lugares, conheci muitas e diversas pessoas, fiz muitas amizades, algumas delas foram eternas enquanto duraram, também me apaixonei inúmeras vezes e em todas elas eu fui capaz de amar incondicionalmente.
Todas essas aventuras me fizeram quem sou hoje e o melhor de tudo é que continuo aprendendo muito. Aprendendo a viver vivendo. A figura do meu pai não faz falta porque não sei o que é isso. Mas a vida que tive me ensinou muitas coisas e hoje eu tento ser um pai que eu não tive. 
Meus filhos talvez se lembrem de mim com saudades quando eu morrer, talvez nem se lembrem, mas acredito que todo pai faça sempre o melhor, na intenção de acertar, mesmo que nem sempre isso aconteça. 
Os meus filhos tem o direito de escolher coisas que eu não ensinei pra eles da mesma forma que eu fiz muitas escolhas independentes daquilo que minha mãe me ensinou. Isso é perfeitamente natural quando essas escolhas não ultrapassam os limites dos valores que, de um jeito ou de outro, são oriundos da família. 
Sei que não sou infalível, aliás, quem é? Espero, ao menos, um dia reconhecer em meus filhos aquilo que sonhei eu mesmo realizar ou me tornar. O que é ser pai senão uma eterna busca de realização de sonhos que fomos incapazes ou não tivemos oportunidades de realizar.
Amo meus filhos, quero o melhor pra eles. Sempre! Mas não me cobrem perfeição, pois erro e erro muito com eles. Meu consolo é que sei que a balança ainda está favorável. Me esforçarei pra ser melhor pai do que fui como filho.
Feliz dia dos pais, pra mim mesmo e pra todos os pais. Feliz dias dos pais sem presente algum e sem comemoração alguma, por que ser pai, assim como ser mãe, não é um fato pra se celebrar em apenas um dia.