quinta-feira, 8 de março de 2012

Monopólio discursivo religioso

A cegueira fundamentalista religiosa que estamos vivendo atualmente não permite que percebamos a existência das várias opiniões divergentes no seio da sociedade. Não somos capazes de transformar nosso discurso e ações para que estas consigam alcançar a beleza de ser do pensar diferente. Fala-se muito em maioria. Maioria disso, maioria daquilo, mas essa mesma maioria esquece-se de que quando tentam justificar seus atos com a democracia da maioria, que na verdade é uma ditadura da maioria, coloca em risco as minorias que não são obrigados, democraticamente, a pensar e a acreditar naquilo tudo que a maioria acredita.

Jogam na minha cara o fato de eu ser ateu como se isso fosse uma lepra, uma doença contagiosa. Eu não tenho culpa de não compartilhar com a maioria o monoteísmo ocidental, não posso ser julgado e condenado por crer em outras coisas, acreditar em outros deuses e ou, pelo menos, acreditar que se eles existem, em nada divergem do tal deus único cultuado no ocidente. Não posso ser massacrado por isso. O que mais incomoda são as justificativas utilizadas na tentativa de racionalizar sua própria crença.

Alguns mais afoitos falam em liberdade de escolha, que eu não devo interferir na educação dos meus filhos, que eu tenho que deixa-lo escolher se quer acreditar em deus ou não. Mas que conversa fiada é essa. Uma criança escolher? Como é isso? Como uma criança pode escolher o que é melhor pra ela sem a ajuda dos pais? Não consigo conceber isso. Porque então, ao invés de me acusar de autoritarismo ou qualquer outro ismo, não deixam seus próprios filhos escolherem se querem ser da mesma religião dos pais ou não. E é obvio que escolherão a religião dos pais. É natural que isso aconteça. Estamos inseridos num meio que dita o que pensamos e no que acreditamos. Por que então eu não posso ensinar meus filhos a serem ateus como eu?

Falam também em neutralidade. Isso realmente é muito importante. Todo o ser humano não pode, jamais, tomar partido de nada e muito menos defender suas opiniões e pontos de vista. Legal! Uma sociedade assim seria muito interessante! Aí eu pergunto, e a liberdade de expressão? Não adianta os religiosos de plantão pregarem ou vomitarem aos quatro cantos que são neutros porque isso é papo furado. A neutralidade monoteísta em si já é um abuso dos direitos de quem não crê em um deus.

Já ouvi muitos religiosos falando em “oração universal”. Aquela que todos deveriam saber! Sabe qual? O tal do pai nosso, que de universal não tem nada. Nunca vi nem ouvi falar que os budistas, umbandistas, o povo de santo, hinduístas e outras religiões conhecem tal oração e a utilizam em seus rituais religiosos. Assim, a “oração universal” não se aplica em espaços públicos, aliás, é muito pretensiosa, tendenciosa e doutrinária, já que remete automaticamente ao monoteísmo ocidental. E quando rezam a tal da “oração universal” em espaço público, eu como cidadão, exercendo meus plenos direitos, posso me sentir lesado, já que na constituição de 1988, a constituição cidadã, diz que nosso país é laico.

Nesse sentido, percebe-se que o estado laico está longe de ser instituído de fato. Ainda não temos condições de estabelecer essa separação entre o estado e a igreja, já que as pessoas ainda confundem as coisas. Acham que os espaços públicos são a extensão de suas igrejas. Não prego e nem acredito no fim das igrejas. Apenas acredito que meu direito de não crer tem que ser respeitado da mesma que os religiosos exigem o respeito à sua tão estimada liberdade religiosa.

Quando afirmo que sou ateu, não estou ofendendo ninguém, pois essa afirmação, por si só, não diz se a religião faz bem ou mal, se é prejudicial às pessoas ou não, se sou contra as pessoas que tem religião e muito menos significa que eu tenho ódio de toda e qualquer religião existente sobre o globo. É apenas uma constatação da minha não crença em um deus criador. Nada além disso. Sem ofensa, sem pretensão, sem prepotência e muitomenos sem radicalismo.

Quando alguém fala, perto de mim, que é monoteísta, não me sinto ofendido, pois sei que tal afirmação também não carrega nenhuma mensagem subliminar contra as pessoas atéias. Falam para afirmar e confirmar sua fé diante de alguém que não crê, nada além disso. Não fico vendo fantasmas nas falas das pessoas.

Não nasci ateu. O ateísmo foi um processo doloroso pra mim. Me aceitar como tal foi mais difícil do que possa imaginar as pessoas religiosas que convivem comigo. Afinal, eu seria o diferente e sabia o que isso significava por outras experiências vividas. Encarei, paguei pra ver. Mas, pra além daquilo que acreditamos, somos amigos. Convivemos e principalmente nos conhecemos. Qualquer juízo de valor, onde as pessoas são diminuídas e inferiorizadas, é e tem que ser encarado como preconceito e discriminação. Desrespeito mesmo.

Não olhem pra mim como se eu fosse a “besta do apocalipse”. Tenho minhas opiniões e não abro mão delas, pois fazem parte de mim, de quem eu sou. O que não me impede, em nenhum momento, de mudar de opinião, aperfeiçoar os antigos conceitos e formar outras opiniões. Talvez o meu discurso assuste um pouco e nesse caso é necessário que eu compreenda que é mesmo muito difícil entender ou compreender uma pessoa que quebre o monopólio monoteísta com sua não crença. Esse é o meu consolo.

Todas as pessoas que convivem comigo me conhecem o suficiente pra saber que sou um homem de bem. Elas sabem que meu ateísmo não vem rotulado com mau-caratismo, desonestidade e outros defeitos tão comuns na sociedade moderna. Todos temos defeitos, uns mais, outros menos, mas também todos temos virtudes, que sem elas seria melhor nem viver.

Ao colocar todos os meus defeitos e virtudes na balança, e isso qualquer pessoa que me conheça minimamente pode fazer, vai sobrar mais virtude que defeitos. E posso afirmar, convictamente, que o ateísmo não é algo que eu encare como defeito, da mesma maneira, tenho certeza, que não é pra aquelas pessoas que dizem que me conhecem.