sexta-feira, 27 de março de 2009

Três doses

Me surpreendi hoje fazendo careta
Olhei ao meu redor pra conferir
Algumas pessoas riam do que fazia
Outras apenas me viam

Hoje me peguei conversando comigo
Olhei à minha volta pra reparar
Tudo dito, mas alguém não entendia
Algumas até fingiam

Me surpreendi com paredes e teto
Achei que estivesse olhando o céu
Horizonte finito atrás das montanhas
Imagens surgindo antes do remédio

Fui flagrado tentando me esconder
É que o lustre queria me assassinar
Entre as cadeiras, mesas e sofás
Coisa estranha é achar tudo real

Já de madrugada foi que percebi
O sono também já me assombrava
A cama vinha em minha direção
Dormi com violência sob os lençóis

No dia seguinte a dor de cabeça
Era uma dose, mas eu tomei três
O exagero me levou ao consultório
E o que eu tinha? Vejam vocês

... era só loucura!!

A-Voz

Obscuridão de sua inconsciência
As leis que regem seus passos
Quebra e revela os seus mistérios
Voz constante aos seus ouvidos

Todas as janelas estão fechadas
Os olhares foram todos proibidos
Você se esconde covardemente
Vozes impertinentes te corrigindo

Avós são pais menos experientes
A vós entregamos nossas mentes
A voz sempre falando sem dizer

Acorrentadas ao céu da sua boca
Mensagens que não serão livres
Obediência cega e desconhecida
Inconstância frente aos raciocínios

Negue e renegue, não confesse
No submundo dos seus sonhos
Não há nada que não deva rever
Entenda que a voz vai te dirigir

Papelão

Quarto pequeno, cama sem colchão
Ideias inúteis invadem o coração
Precisa querer, mesmo sem retribuição
Enganar a pobreza, complexa missão

Almoço preparado em cima do fogão
Pratos encardidos à beira do balcão
Tudo igual ontem, mesma refeição
Correr da miséria, insana convicção

Pobreza, miséria, barraco, papelão
Sinônimos doentes desta imperfeição
Dores e angústias, só uma fração
Parte de um problema sem solução

Tudo que consegue está em sua mão
O trabalho necessário é escravidão
Em casa comem só migalhas de pão
Alegria, transe em frente a televisão

Continua e perpetua sua condição
Algemado sem motivo e sem razão
A vida inteira esperando a salvação
Vai viver sem conhecer o seu patrão

Pobres miseráveis jogados ao chão
Significam doenças da população
Ignorados, são retratos da humilhação
O inferno seria bem melhor condição

segunda-feira, 23 de março de 2009

Jogo de dados

Me conte seus segredos e esconda suas verdades
Fale do que você quer, mas diga somente a metade

Seus desejos são simples, nada muito perigoso
Crescer, talvez ser alguém, caminhar, ser orgulhoso

Vejo todo o seu desespero, suas angústias revelam
Você tem que desistir, é o que todo mundo espera

Vai lutar várias guerras e haverá muitas muralhas
Muitos obstáculos o impedirão de vencer as batalhas

Não aceite sua condição, não repita os mesmos erros
Não permita que digam quem você deve ser
Seja aquilo que os outros não querem
Futuro só existe pra quem sobreviver

Há espaço pra poucos no alto e você é condicionado
Ao que aprendeu nos livros, aos números dos dados

As oportunidades concedidas foram todas direcionadas
É o meio onde vive, grau de inclinação da escada

Todo mundo diz "não desista", pois temos liberdade
Onde os direitos são iguais, diferentes na verdade

Quem paga a fatura é você e todos seus descendentes
Repetirão a mesma lição, impostas em suas mentes

Não aceite esse destino, não faça disso seu enterro
Não resista ao chamado do seu próprio ser
Está em sua mente, deixe que se revelem
É um jogo de dados, você tem que vencer

quarta-feira, 18 de março de 2009

Sis t’ema

Não vou mais ficar
preso às suas correntes.
Eu te amo e vou chorar
longe de você de repente,

Sofrer e mesmo com dor
terei que desistir de nós.
Você nunca sentiu amor,
você simplesmente me usou

Ainda vai continuar usando,
se eu resolver ficar contigo
Como fez com outros antes
depois também será igual.

Não aguento mais beber coca-cola sem querer,
só porque você me obriga, isso não é amor.
Não posso mais permanecer desejando poder,
que qualquer coisa esteja rápido aos meus pés.

Somente por que você me diz que eu posso
Que eu tenho direito de desejar o que quiser.
Não suporto mais nas tantas vitrines por aí.

Sempre detestei todos os feriados comemorativos,
Estou enojado desses teus impulsos exagerados
Por sua culpa sempre gasto muito mais do ganho.
É loucura, obrigatoriamente não pode ser amor.

E pra me livrar de você eu prefiro morrer,
mas antes disso quero te fazer um pedido:
Por favor não venha chorar no meu velório.
Deve sorrir e no fundo vai estar sorrindo.

Pois você terá muitos motivos pra isso,
com certeza, meu caixão será do melhor
Que o vil metal capitalista pode comprar,
Repleto de lindas, perfumadas e caras flores.

Pestilência infame

O que você vai fazer amanhã?

Se for sair não esqueça do filtro

O guarda chuva de seda não deixe

Mangas compridas e botas também


O sol estará o meio do céu

Saiba que não haverá manhãs

Muito tempo sem pôr-do-sol

Cuide-se pra não se machucar


O asfalto está muito quente

Haverá muita gente nas calçadas

As árvores estarão sem folhas

E nenhuma sombra o protegerá


Não fale com desconhecidos

É proibido olhar diretamente

Há perigo nos restos de palavras

A morte espreita silenciosamente


Morrerá por desrespeitar as leis

Será banido por desobediência

Evite ser notado pela diferença

Os seres estranhos serão fuzilados


Não faça amizades com ninguém

Desconfie de todos ao seu redor

Podem te entregar para o inimigo

Vão te contaminar com o vírus


Pestilência infame que tudo ataca

Destrói e mata os desavisados

Aconselho você a ficar em casa

Lá você pode fingir que está só


Lembrar do tempo que tudo era

Diferente, tranqüilo e sorridente

Pensar que tudo é um equivoco

E que você um dia vai acordar

Desafinado e triste

Espero a paz que um dia chegará acompanhada da luz
Fim da noite sombria e sem lua que prende meu coração
Ínfimo intervalo de tempo em que não estarei mais só
Fatídico momento de prece e desespero em meu olhar

Bolero que acaba com uma nota desafinadamente triste
Assim a brisa traiçoeira apaga minha última e inútil vela
Íntimos de quem, ficarão aqueles segredos que carreguei?
Ridículo pensar que todos eles ficarão seguros sem mim

Nunca é uma palavra que deveria ser usada como verbo
Presente é tudo e sempre o que conjugamos no passado
Mas é imperfeita minha mente separada do que já fui
Não posso mais voltar atrás e repensar algumas atitudes

Paro e contemplo a alvura das luzes que chegaram a mim
Cercado por todos os lados, me ofuscam o pensamento
Viajo entre nuvens desafiadoras pra chegar ao meu lugar
Reserva feita com antecedência pelas minhas ausências

Encerro meu trabalho sem dor, sem pudor e sem suor
Energia que nunca quis gastar com tão pouco objetivo
O que fiz, agora percebo que fez quem fui de verdade
O que eu era já não importa se ninguém me vê ou ouve

Organização aleatória

Na noite janelas entre abertas

Entre entregas que desfazem

Nada feito ou desfeito por um

Por um vão se misturando


Multidão que se confunde

Coleção de pobres seres

Comunhão de muitos jogos

Senso insensível e só


Você não é e eu também não

Ninguém é mais do que nada

Simplificação da mesma coisa

Aleatoriamente organizados


Os contentamentos onde estão?

Na mesmice de permanecer igual

Na idiotice das frases feitas

No baile das opiniões compradas


E agora estamos aqui

Sendo questionados sobre tudo

Somos culpados do que não fizemos

E inocentes pelo que pensamos


Refletimos sempre de mãos atadas

E nenhum de nós se conhece

Estamos perdidos e solitários

Num mar de idéias que nos une


Vivos ou mortos, aqui jaz

Dormir ou acordar, satisfaz?

Sorrir ou se coçar, tanto faz

Ouvir ou perguntar, e a paz?


E agora estamos aí

Sendo confundidos sobre o todo

Somos prisioneiros do que sonhamos

E réus primários pelo que omitimos


Tudo acabará como tem que ser

Todos infelizes para sempre

Exceções de sorrisos amarelos

Colhendo aquilo que plantou

segunda-feira, 16 de março de 2009

Surreal

A noite estava escuramente negra
Sonhos, árvores, cores e túmulos
Imagens que insistiam voltar à sua mente
Dançavam com os barulhos da noite

Folhas e flores também acordadas
Cores com cheiro de açúcar e mel
Flores e cores espalhadas nos
milhares de túmulos do seu sonho

Vindas de alturas invisíveis
Sobre seu corpo dormente
Coroa de cores que o fizeram rei
Império decrépto de imagens inúteis

Não fique perdido entre elas
Paredes e tetos de sonhos impossíveis
Não acorde, grite o mais alto que puder
Ninguém o escutar, nada há ser ouvido

Abra um a um todos os túmulos
Quando terminar estará cansado
O tempo do sonho será passado
E pesado sobre suas costas

Eras e eras de esforços em vão
Descubra que mesmo sozinho
Você ainda conta com seus signos
Suas flores, cores e túmulos

Desista de olhar pra trás e vá
Esqueça os antigos conceitos
Não existe ninguém pra ajudar
Lápides vazias e sem alma

Todos os vestígios apagados
Sussurros há muito esquecidos
Não queira perceber mais nada
Deixe tudo apenas em sonhos

Não veja e não ouça o que quer dizer
Afaste-se daquilo que te separa da vida
Mas ouse olhar uma última vez pra trás
Perceba que tudo é um sonho surreal.


sábado, 14 de março de 2009

Dia dez

Que dia poderia ser pior do que o dia dez? Ou melhor, qual dia poderia ser melhor? Afinal, nesse dia tudo fica esclarecedoramente mais sábio. O tempo acumulado sussurra aos meus ouvidos que tudo está passando terrivelmente devagar. E tenho pressa. Estou cansado de todos os dias em que vivo uma intensa e entediante realidade. Oh tempo!! Porque tem que ser assim, tudo tão vagaroso? A felicidade tão buscada por todas as pessoas está em viver mais tempo, viver sempre mais, chegar aos oitenta, noventa ou quem sabe aos cem anos de idade. Qual será o objetivo desse desejo incessante da humanidade querer viver com tanto apego? O tempo, como nós o conhecemos, é simplesmente algo que pode ser medido com nossos inteligentes mecanismos tecnológicos. Mas o que é o tempo? Será que nosso conceito sobre o tempo não pode estar equivocado? Talvez viver cem ou trinta e cinco anos seja a mesma coisa. E não podemos acreditar que toda a sabedoria só nos concedida após atingirmos idade avançada. Querer viver tanto sem objetivo, ou apenas por medo da morte, que é desconhecida pra nós, é perda de tempo. É egoísmo. Não quero viver mais do que mereço, e como não sei quanto mereço viver, posso e tenho direito de querer viver menos tempo. Posso até desejar não passar dos sessenta anos. E se por acaso eu passar, tudo bem, não posso me culpar de ter desejado isso. Olho pela janela que o tempo me proporciona neste dia e não vejo muita coisa. Apenas anos e anos que podem ser dias ou séculos da mesma existência, da mesma inglória vida. Caminho com muita pressa de conhecer aquilo que é permitido e liberado a nós após nos despedir dessa vida. Talvez haja algo a ser conhecido, talvez não. Caso não haja nada pra se descobrir, desocupei um lugar pra outra vida, outra existência, que com certeza absoluta vai lutar com unhas e dentes pra que o dia dez demore muito tempo a chegar.