sábado, 12 de abril de 2008

Reino Desencantado de Maharba

Ziul I era o maioral por aquelas bandas. Mandava em todo mundo. Era o rei. O chefe. Se aquele lugar fosse uma tribo, ele seria o cacique. Tinha uma personalidade bastante estranha aquela pobre criatura. Velhinho coitado, mas não entregava os pontos. Acho até que já devia estar batendo uns pinos, mas quando ele falava geralmente tentava transmitir algo de consciência. Mas na essência era um coitado. Não sabia de nada e achava que sabia.

Escorado no seu título de nobreza, achava que tinha plenos direitos sobre os que estavam diretamente ligados a ele. Seu pequenino feudo ficava numa região inóspita, num lugar onde provavelmente o Judas perdeu as meias, pois as botas ele deve ter perdido em algum lugar mais civilizado. Havia vários tipos de gente sob seus domínios.

Os pobres de espirito eram a categoria mais baixa, a base da pirâmide. Havia também os súditos que gozavam de alguns privilégios e junto com estes havia ainda os súditos que achavam que tinham algum direito. Sobre os pobres de espírito não há muito o que falar, pois eles nem mesmo sabiam o que isso significava. Sofriam calados sem ao menos questionar o porque. Pois atitudes assim não faziam parte da sua realidade. Aceitavam passiva e pacificamente todas as leis de Ziul I, o grande, o maioral. Coitados!!! Não perguntavam, não queriam saber, pois isso poderia enviá-los diretamente ao inferno. Eles não podiam se rebelar, pois isso seria o passaporte definitivo para a exclusão daquela tão perfeita sociedade organizada por Ziul I, o grande, o maioral.

Vamos chamar a Segunda categoria de súditos de súditos menores, para facilitar a explanação. Esses pobres diabos eram os mensageiros de Ziul I, o grande, o maioral. Eram eles a levar as ordens aos pobres de espírito. E faziam isso de maneira bastante duvidosa. Mas mesmo assim seguiam suas vidas achando que mandavam alguma coisa. Chegavam nas aldeias e colocavam suas próprias leis. Faça isso... desfaça aquilo... venha cá.... assim não dá.... e assim por diante. Se olhavam no espelho e se viam como uma classe que tinha poder de levar aos pobres de espírito as leis, regras, dietas e simpatias. Mas no fundo não passavam de meros garotos de recados, pois eles também viviam alienados sem perceber que eram usados o tempo todo. Faziam seu trabalho, eram pagos pra isso, mas não significavam nada no processo, pois a palavra final nunca eram deles. Eles não podiam nem ficar doentes, pois se isso acontecesse, cabeças rolavam.

Pra fiscalizar nessas questões de disciplina, Ziul I, o grande, o maioral contava com uma equipe super especializada, quero dizer treinada e adestrada, em matéria de repressão e sujeição tanto dos pobres de espírito, como dos súditos menores. Esses eram os súditos maiores. Eram num total de três.

Vamos começar pelo começo. Icari era engraçado, mais parecia um bobo da corte. Ele desfilava pelas aldeias, ruas, vielas, estreitos e pátios daquele medíocre reino como se estivesse desfilando em uma passarela de Milão. Sempre fiscalizando. Sondando e bisbilhotando. Dando ordens que muitas vezes nem mesmo Ziul I, o grande, o maioral, ficava sabendo. Pegava no pé dos pobres de espírito e também dos súditos menores, mas o que Icari não sabia era que ninguém dava a mínima pra ele. Nem ligavam para os seus desvarios e sua grande mania de grandeza. Todo mundo fingia que o ouviam e assim que ele se virava, todo mundo quase morria de rir. Nem os pobres de espírito, que não sabiam de nada, respeitavam aquela pobre criatura. Mas ele se achava e seguia sua rotina.

Ileon, era bastante diferente. Muito mais sutil e traiçoeiro. Lidava com situações difíceis com maestria. Nunca ficava por baixo. Tinha o olho e as mãos em tudo. Sabia de tudo. Cuidava da vida de todo mundo sem ao menos mover uma palha. Apenas utilizava a sua extrema facilidade em costurar acordos e dissimular sua própria opinião quando, eventualmente Ziul I, o grande, o maioral, se indispunha com ele. Muito perigoso, até mesmo Icari o temia. Ardiloso, sabia como se livrar das más situações e sabia muito bem como imputar a culpa em algum idiota. Geralmente sobrava pros súditos menores, que entravam na armação sem perceber e quando viam já estavam comprometidos até o pescoço.

E por último Anairda. Esse era o chefe do exército e como todo militar, seguia as regras literalmente. Nunca jogava água fora da bacia, digo, nunca desobedecia as ordens. Estava sempre a disposição de Ziul I o grande, o maioral. Não tinha o menor escrúpulo. Se necessário fosse entregava até a própria mãe. Na verdade era um tremendo de um puxa saco. Que vivia de bajular o rei. As vezes (muitas vezes) contrariava suas próprias idéias, objetivos e planos, somente para agradar o chefinho. Quantas e quantas vezes foi pego falando consigo mesmo se deveria ou não executar tal ordem. Mas no fim sempre obedecia, não importando o quanto aquela ordem contrariava suas próprias convicções.

Para concluir essa pequena e idiota história sobre um lugar esquecido e tão medíocre quanto esse texto, digo e repito o que vi durante os muitos e muitos dias em que Ziul I, o grande, o maioral, foi o manda chuva daquele lugar. O Reino de Maharba se acabou, definhou como um enfermo, como um moribundo à beira da morte. Morreu mesmo. Ali nada mais acontecia. Era uma pasmaceira danada, onde ninguém tinha coragem pra nada. O reino ficou entregue aos ratos e baratas. Não se fazia nada, por que Ziul I o grande, o maioral,direta ou indiretamente, não deixava. Ou porque o medo de serem enredados nas teias de intrigas dos súditos maiores, paralisa os súditos menores. Os próprios súditos maiores eram os que mais fomentavam a mediocridade do reino, com seus eternos e gigantescos egos, onde só cabiam a satisfação de seus próprios interesses.

E Maharba se tornou então título de histórias como essa. Triste e deprimente, mas ao mesmo tempo cômica e alegre.Fim


SILVA, Edmilson R. Textos Sobre Assuntos Aleatórios, Mas Sem Importância Alguma. Edição Única. Kaloré: Liberdade, 2008.

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