sexta-feira, 25 de abril de 2008

Costureira

Lá estava ela, sentada imóvel em frente à sua máquina. Os pensamentos daquela mulher envolvidos maquinalmente na sincronia escravizante dos pontos, nas pontas de seus dedos. Mãos e pés. Às vezes esquerda, outras, direita, mas sempre em frente.

Não podia se dar ao luxo de cometer erros, pois erros custavam caro. Dinheiro que ela não tinha. Nunca tinha. Sem errar permanecia na eternidade dos dias obedecendo cegamente ordens que enchiam sua barriga e alimentavam seus filhos. Vivia assim, na infinitude dos tempos que não tinha pra pensar no que estava fazendo.

Levantava-se muito cedo. Todos os dias. O relógio era o companheiro inseparável das noites em que não conseguia dormir.
Os tecidos, as agulhas e o barulho de todas as máquinas do mundo iam morar dentro de sua cabeça. Não conseguia se separar nem por um momento daquele ambiente. Acabava um modelo e começava outro.

Nestas noites repassava detalhe por detalhe todos os passos das entediantes etapas que separavam um tecido sem forma de uma camiseta, calça, blusa ou qualquer outra peça que estivesse costurando naqueles dias.

A sensação de alivio que sentia quando acabavam uma encomenda. A euforia inicial e logo depois o desespero, quando chegava um novo modelo a ser costurado. As caras e bocas dos encarregados cobrando, olhando e vigiando. O ferro, passando as partes antes de serem costuradas. A troca da linha na máquina. O acelerador que nunca funcionava corretamente. Relembrava.

E amanhecia.

A caminho novamente da fábrica. O que a esperaria neste dia? O de sempre. Chegava, cumprimentava, ia até seu lugar, sentava, preparava sua máquina e costurava, a costureira. Até na hora do almoço era a parte fácil, mas a tarde era torturante. O calor e o barulho se multiplicavam.

Mas ela ficaria lá. Ficava lá, pois precisava. O salário não importava mais pra ela. Costurava porque sabia fazer aquilo. Mais nada tinha aprendido. Os fins de semana eram pra ela piores do que a rotina dos dias de trabalho.

Ela não gostava do que fazia, mas não sabia viver de outra maneira. Nasceu pra costurar e assim vivia, a costureira, a costurar.

Seu futuro não existia. O futuro não existia. Ela só olhava o que podia enxergar, sem planos, sem pressa e sempre. Inexoravelmente avançava
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SILVA, Edmilson R. Textos Sobre Assuntos Aleatórios, Mas Sem Importância Alguma. Edição Única. Kaloré: Liberdade, 2008.

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